22 dezembro 2008

Como é reconfortante acreditar (e a teoria restrita da gulodice religiosa)


Desta vez não venho trazer nenhuma novidade. Enquanto preparo a minha explicação existencialista de resposta a todos pd problemas filosóficos mais prementes da Humanidade, fui instado, em amena "e-cavaqueira", a discorrer sobre religiões e credos. Ficam assim, desta feita escritas na língua do Poeta, as concretizações cujas origens já por aqui jazem em inglês.

"O Tesouro" é um Best Seller que ainda não li. Tal como não conheço, na devida profundidade, a maior parte das religiões humanas. Do que conheço porém, são várias as perplexidades que invariavelmente se repetem (sendo, claramente a maior, a da universalidade do "fenómeno"). Uma perplexidade invariável, entre outras mais prosaicas, provém da sua "gulodice".

Há uma frase de que gosto bastante: "where there is a will, there is a way". Penso que é disto que trata "O Tesouro". Uma verdade aparente, simples e condicionada (como tudo na vida) que um livro pretendeu, com gulodice, transformar num paradigma universal, tornar ilimitada. A gulodice religiosa é isso mesmo: pretender que uma invenção cultural, geograficamente e temporalmente localizada pode ser transformada em axioma universal.

Assim é que, por exemplo, quando pegamos na maioria das prescrições bíblicas (e judaicas?, muçulmanas?), lhes encontramos um sentido e uma grande mais-valia... Que naturalmente perdem ao ser erigidas como perfeitas, e divinas. Quando se lhes pretende dar esse sabor que falta a tudo o que é feito por mãos humanas. Das coisas mais banais, como circuncidar as crianças (evitando imensas infecções, face à falta de higiene do tempo), banir a carne de porco (igualmente muito propensa à transmissão de doenças); às mais sérias, como o não matarás, não roubarás. A importância que lhes damos revela essencialmente da necessidade que temos dessas proibições hoje em dia. Pouca para as primeiras, num Mundo industrializado, cheio de antibióticos e controlos alimentares; a mesma para as segundas... (Seria igualmente interessante tentar perceber, por exemplo, como o mandamento da fidelidade conjugal, essencial à economia dos primeiros cristãos, é hoje tão (clandestinamente) maltratado.) É assim que, conselhos sábios, transformados em mandamentos bíblicos, caem no ridículo.

Uma das criações mais pacificadora encontra-se no "Deus escreve certo por linhas tortas", ou no Oriente, o famoso karma. Ambos nos reconfortam imenso, explicando que as coisas más que nos acontecem hão-de se revelar providenciais, ou são expiações de culpa de vidas anteriores. Ambos nos prometem que as boas acções serão recompensadas. Nos três casos - junte-se aqui "O Tesouro" - a tese é que, podemos controlar o incontrolável. Assim se ultrapassa uma das limitações mais essenciais do ser humano: a incapacidade nata de lidar com o incontrolável. Claro que há um fundo de verdade. O doente com cancro optimista tem muito mais possibilidade de se curar que o pessimista. O nosso sistema imunológico reage negativamente a um desgosto emocional, pelo que a motivação, a fé, o optimismo, a auto-confiança, são sempre elementos importantes da equação. Mas quando se pretende que basta ter muito vontade para ser ou ter o que quer que seja? Aí já é a gulodice religiosa... porque, afinal de contas, todos os os miúdos com 16 anos querem ter o cabelo do Cristiano Ronaldo (quem sabe quantos com muito mais força que o famoso número sete).

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